sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Nasce o Messias Salvador, o Senhor.

Estudando o Evangelho e entendendo a noite de Natal.

O RECENSEAMENTO: O primeiro dos três recenseamentos de César foi feito no ano 28 aC, que corresponde ao 749 da fundação de Roma. Havia duas classes de censo pessoal: a) o dos cidadãos romanos (census populi) tanto na Itália como nas províncias. Em grego apotímesis tou desmou (censo do povo), era feito com a finalidade de recolher impostos ou exigir o serviço militar.

Normalmente requeria uma declaração (apografê) e uma valoração das propriedades (timêsis).Este tipo de censo foi feito nos anos 28 e 8aC, e 14dC b)dos incolae, ou habitantes nas províncias que não tinham cidadania romana. Chamava-se também apografê, palavra que usa Lucas, e fazia-se nas províncias, dependendo das condições da demarcação em curso.

Por exemplo, no Egito cada 14 anos desde o 33/34. Nas Gálias 27 e 12 aC e 14-16 dC. E consta que na Lusitânia (Portugal), Espanha e Judéia realizaram-se também esta classe de apografés. Nas províncias imperiais, os delegados como era o caso da Síra-Palestina, podiam convocar o censo por própria vontade. Distinguia-se também entre apografé, um termo genêrico para qualquer tipo de censo e apotímesis, termo técnico para um censo para fins fiscais.

No nosso caso não parece ser um censo fiscal, mas uma convocação para prestar um juramento de fidelidade a César no tempo de Herodes, feito por comparecimento à semelhança com o que foi feito em Paflagônia. Este juramento foi feito por ordem de Roma e com os procedimentos romanos: isto é, no lugar de residência de cada um, especialmente no Oriente em que abundava a população flutuante. Foi feito para congraçar-se com César, aproximadamente no ano 7 aC. Seis mil fariseus se negaram e foram multados, multa que foi paga pela mulher de Ferora, irmão de Herodes. Este censo-juramento do ano 7/6 aC foi feito antes do censo de Quirino, legado da Síria no ano 6/7 dC.

Por que Lucas escreve sobre Quirino se não era propriamente esse o censo que obrigou José a ir a Belém? A solução é a memória incorreta dos judeus que consideravam como datas memoráveis tanto a morte de Herodes como o censo de Quirino em que os tumultos do povo foram notáveis. Por outra parte devemos ter em conta que tais censos demoravam anos para serem cumpridos. Daí que, por exemplo, no Egito se realizassem cada 14 anos. A data, pois, de Lucas podia ser traduzida por: "antes do famoso censo de Quirino". . Foi feito no tempo em que Sentio Saturnino era legado da Síria (9-6 aC), segundo diz Tertuliano.

A apografê ou inscrição de pessoas e propriedades iniciou-se em tempos de Saturnino (7/6aC) e a ulterior apografesis (apotímesis) ou objetivo cadastral dos dados registrados foi realizada por Quirino(6/7 dC ) com a conseguinte revolta dos contribuintes judeus.

PUBLIUS SULPICIUS QUIRINUS (Cyrinus em latim): No ano 12 aC foi proclamado cônsul em companhia de Valgio Rufo. Tácito fala dele como um soldado intrépido e disciplinado que lutou contra os bandidos homonadenses na Cilícia ao sul da província da Galácia, sudeste da Ásia Menor, lugar montanhoso e terra perigosa pelos bandidos. Estrabón disse que após cortar toda possibilidade de mantimentos fez 4 mil prisioneiros e os deportou, de modo que ficaram as terras sem homens. Após o ano 4 aC foi Rector (assessor) do filho adotivo do imperador, vice-rei na época das províncias orientais entre as quais estava a Síria. Ao unir à Síria os territórios de Arquelau ano 6 dC Quirino foi o Legatus (delegado) da Síria, encarregado de fazer o censo na província e vender os bens patrimoniais de Arquelau na Palestina. Censo que é descrito por Atos 9, 37 e que deu lugar à insurreição de Judas o Galileu.

MOTIVO: Qual foi a intenção de Lucas? Sem dúvida delimitar o nascimento de Jesus com fatos históricos conhecidos na sua época. À partir dessa intenção temos a ação do Espírito que nos dá detalhes para combater uma das mais sugestivas heresias do primitivo cristianismo: o docetismo, que pretendia provar que o corpo de Jesus era aparente. Os detalhes de seu nascimento desbaratam semelhante disparate. Uma outra intenção é ligar Jesus com Davi, não unicamente como descendente, da mesma tribo, mas também como um nascido no mesmo lugar para indicar a ininterrupção da realeza fundada no mais famoso dos reis de Israel. O nome Betlehem, casa do pão, é simbolicamente uma referência ao que se chamaria pão descido do céu (Jo 6, 51). Belém era a cidade de Davi e seria logo a cidade de Jesus.

PRIMOGÊNITO: A palavra protótokos (primogênito ou primeiro nascido) tem um valor técnico, religioso. Traduz a palavra hebraica BEKOR, que tem valor semântico como primícias que devem ser dadas a Jahveh. Nada indica sobre outros filhos. Um filho único é primogênito segundo a linguagem bíblica.

OS SINAIS O parto, segundo os dias costumeiros numa mulher, o envoltório em faixas era coisa rotineira entre as mulheres da época e da Palestina. Tudo par indicar que Jesus era um homem normal de corpo e osso, formado durante a gravidez no seio de Maria (contra o docetismo e a heresia de Marcion).

O que não é normal é o presépio e por isso Lucas deve dar a razão do mesmo: Não havia lugar para eles no KATALIMA. o significado inicial era o quarto de hóspedes. A palavra tem origem em kataluein, verbo que significa desatar. Era inicialmente o lugar em que se desatavam as cavalgaduras após a viagem (malon em hebraico) ou albergue noturno.
Ou seja, um albergue, que pode ser até uma casa particular, LISHK. A sala de invitados como em 1Sm 1, 18 (só nos setenta). Tanto Marcos como Lucas usam katalima para a sala de refeição da última ceia, que a vulgata traduz por refectio (refeitório) em Marcos e diversorium (alojamento) em Lucas. E dizem ambos os evangelistas que o dono mostrará o ANAGAION ( cenaculum em latim) em ambos casos.

Uma solução moderna é dada pela arqueologia: As casas de Belém não eram covas escavadas no monte, como eram as de Nazaré, mas construídas ao redor de um pátio comum. Eram casas de dois andares. O andar inferior era uma cobertura em forma de arco ou abóbada, sobre a qual estava a casa propriamente dita à qual se subia por uma escada externa. Nessas habitações do andar superior não havia lugar, nem espaço físico disponível, nem lugar decente para um parto. Por isso escolheram o andar inferior, estábulo dos animais. Os pastores recebem como sinais (Semeion ou Oth em hebraico) as faixas e o presépio. Semeion era um meio da manifestação divina, nem sempre miraculosa.

Assim o arco iris era sinal de não acontecer um novo dilúvio. São fatos indicadores de um acontecimento que deve ser conhecido. Não são apologéticos, mas didáticos. O simbolismo das faixas pode ser evidente, pois Salomão em Sb 7, 4 relaciona sua condição de REI com o fato de ter sido envolto em faixas. Ou como Moisés que foi envolto pela própria mãe por falta de parteira. Mais bem parece ser um sinal de que Jesus é como todo homem quando criança que é amado e acolhido, à diferença de Jerusalém que, segundo Ezequias 16, 4-5 afirma, tornar-se-ia uma cidade abandonada. Pelo contrário teve uma verdadeira mãe que o cuidava desde o primeiro instante. Um messias menino era praticamente impensado nos tempos de Jesus. Uma mãe solícita é o que descobrimos neste relato íntimo e familiar.

Os católicos descobriram Maria como instrumento vivo para a vida do Salvador. O Verbo escolheu o Homem Jesus, mas também escolheu de modo especial Maria como mãe.

OS PASTORES: Eram nômades que viviam no descampado pastoreando seu rebanho e à noite faziam suas vigílias para guardá-lo. A DOXA (o Kabod Jahveh) os envolveu de luz. No grego clássico doxa é a opinião favorável dos homens. No grego bíblico corresponde à tradução de Kabod , ou seja, a manifestação visível de Deus junto a seu povo, rodeando o tabernáculo (Ex 16,10) ou o templo na visão de Ezequiel (Ez 9,3). Deus toma como nova moradia os corpos simples dos pastores. São os novos tabernáculos, segundo o que Jesus declara à samaritana (Jo 4,24)

O ANÚNCIO: Era o nascimento de um Salvador, Messias Senhor, que por sua vez era causa de um grande gozo para todo o povo de Israel. Pois o Laós bíblico significa o povo escolhido diferente do ethnos, povo gentil. Soter (Moshaá) é o titulo de Deus quando realizava atos salvadores. Da raiz Yesha (salvação), provém o nome Yeshuá, nomes em hebraico que traduzem por Jesus. O segundo título dado pelo anjo é o de Cristo, (Khristós ou Mashiáh) Ungido. No AT era o título dos homens cuja missão era acompanhada de uma unção: o rei, o sacerdote e o profeta. O terceiro título é o de Senhor (Kyrios, que no AT era a tradução de Jahveh, no hebraico Mareh [só para reis e Deuses] e daí a fórmula maran athá = Senhor, vem! em 1Co 16,22). Os três títulos aparecem unidos em Fp 3, 20: "Nossa pátria está nos céus de onde esperamos como salvador o Senhor Jesus Cristo".

O PRESÉPIO: (Fatne ou Ebus ) O midrash judeu recolhe a lenda que, Adão castigado depois do pecado, replica a Deus: terei que comer no mesmo presépio que meu asno? Outra explicação é a de Isaias: conhece o boi seu dono e o asno o presépio de seu amo; mas Israel não me conhece; o povo não me discerne (1,3). Agora serão os pastores, os mais humildes, que conhecem Jesus e voltam louvando Deus. Finalmente o presépio era um sinal de que o menino era descendente de um rei que tinha sido pastor e nesse oficio elevado a rei. Era, pois aos pastores que Deus revela sua providencial intervenção de um messias pastor, nascido de uma mulher sem especial relevância (Lc 2, 48).

O CANTO: A DOXA significa honra que se deve tributar a Deus, como o leproso samaritano em Lc 17, 18. A divindade tem uma série de atributos que formam sua Doxa (sabedoria, poder, imortalidade...), mas o homem pode dar graças por uma intervenção poderosa e salvadora de Deus e esta é a glória que a Divindade espera e que os anjos louvam como louvarão os eleitos a majestade divina por toda a eternidade. Paz, ou Eirene, (shalom em hebraico) é o oposto a guerra e em sentido figurado significa tranquilidade de espírito.

Biblicamente no NT significa o conjunto de bens desejáveis. Quando se trata da paz messiânica abrange todos os bens essencialmente os de ordem espiritual, provindo diretamente de Deus, que o Messias devia aportar como príncipe da paz (Is 9,5), afirmando Miquéias que ele mesmo será a paz (5,4) O salmo 85, 9-10 resume perfeitamente este ambiente messiânico. Após o cântico de Zacarias a paz tem um sabor de perdão, de amizade renovada após um período de inimizade (Lc 1,77). Cristo fez horizontalmente de dois povos um só e verticalmente reconciliou a humanidade com Deus (Ef 2, 14-18).

A Nova Aliança que foi chamada pelos profetas aliança de paz (Ez 37,26) seria uma aliança entre amigos e não mais entre servos (Jo 15,15). A BOA VONTADE é uma tradução pouco feliz da palavra grega EUDOKIAS, que significa complacência, beneplácito, sem dúvida do hebraico RATSON, prazer, satisfação. É a palavra empregada no batismo de Jesus quando se submete à humilhação de ser considerado pecador (Lc 3, 22) ou no momento da transfiguração (Mt 12, 18). Um fundo em todos eles de filiação, o verdadeiro filho de Deus que se submete e no qual o Onipotente admite ter verdadeira complacência: Paz na terra aos filhos do beneplácito divino, poderíamos traduzir em definitivo.

PISTAS:.1) Muitos acreditam que quanto mais divinizemos a figura de Jesus tanto mais se tornará em proveito próprio essa imagem sagrada do mesmo que aparentemente despojamos da vertente humana.

O evangelho de hoje mostra o contrário: Deus quis se aproximar do homem, tornando-se um de nós, sem diferença, porque ele ama a humanidade e a admite no seu filho com e motivo de nossa meditação.

2). Se Cristo é como homem o modelo, poderemos pensar que tipo de homem [o sábio, o rico, o poderoso, o louvado e estimado], ou pelo contrário [o pobre, o humilde, o necessitado, o escondido e até excluído], foi desde o início o homem Jesus em quem o Verbo quis habitar pessoalmente unido a Ele.

Evidentemente o evangelho de hoje escolhe este segundo tipo e o descreve com especiais detalhes de modo que ninguém se sinta envergonhado de sua pequenez e insignificância.

3) Jesus é pastor, nasce como pastor e é visitado e adorado por pastores antes de ser Rei. Deus entre os homens gostará de ser o verdadeiro pastor trocando uma realeza esperada como era o esperado de um descendente do rei Davi, pelo ofício que este tinha de cuidar das ovelhas. O reinado de Cristo começa pelo serviço como pastor que dá a vida pelas ovelhas.

FELIZ E SANTO NATAL A TODOS!


Fonte: http://www.sidneyrezende.com/noticia/25882+homilia+de+bento+xvi

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