terça-feira, 18 de novembro de 2014

Promessa

Logo depois de engravidar, ao participar de um Encontro da Família Cursilhista, o Padre Adelzire olhou pra mim e disse: "você está grávida". Eu já sabia disso, mas eu ainda não tinha contado para ninguém, exceto os familiares. Então fiquei surpresa com a convicção do padre ao afirmar isso. Mas o tempo passou e infelizmente aconteceu o que eu não queria...
Dias depois de perder meu filho, nada mudou. O mundo continuou sendo o mundo que conheço, mas agora um mundo sem meu filho. Não sei se ainda estou de luto, não sei se esse sentimento será uma constante em minha vida. O que sei é que estou vivendo, mas sem viver de verdade, minha única vontade é ficar sozinha. Parece melodramático demais, eu sei, só não consigo evitar de me sentir assim.
Em um novo encontro com o Padre Adelzire ele me perguntou como eu estava, depois de me ouvir ele me fez um pedido para quando meu próximo filho nascesse. O padre gostaria que a primeira foto que eu tirasse do meu filho fosse enviada para o Santuário do Frei Galvão. Apenas isso.
Não sei o que pensar a respeito.
Mas no meu coração eu senti uma promessa: eu teria outro filho.

domingo, 2 de novembro de 2014

A dor de perder um filho


Quando eu ouvia uma mulher dizer que perdeu um filho, ainda no início da gestação, eu pensava que era algo natural, triste com certeza, mas “acontece com todo mundo”. Eu só não estava preparada para que isso acontecesse comigo. Afinal, eu não sou “todo mundo”, minha mãe me garantiu isso incontáveis vezes.
           Numa época em que tantas meninas e mulheres engravidam sem querer, outras até provocam o aborto por não desejarem suas crianças, eu pensava que só o fato de eu querer engravidar, planejar isso com meu marido e pedir a Deus para que desse tudo certo, já seria suficiente para eu engravidar. E foi mesmo! Em agosto de 2014 eu descobri que estava grávida e até dei um cartão de “Feliz dia dos Pais” para meu marido, com o resultado do exame de sangue anexo.
Eu jamais conseguiria descrever a alegria que sentimos! Contamos a novidade para todos os familiares! Foi incrível! Eu consegui engravidar na primeira tentativa, diferente de tantas mulheres que passam anos fazendo tratamentos e tendo suas decepções. Eu estava me sentindo muito especial! Com o tempo eu descobriria que a maioria das mulheres grávidas se sentem mesmo super especiais, e com razão, geramos uma vida!
Agendei o pré-natal e ansiosa como sou, já peguei um pedido de ultrassonografia com um clínico geral, para já ir preparada no dia da consulta oficial com a obstetra. E qual foi minha surpresa ao fazer a ultrassonografia? Ouvir da médica: “Eu não consigo ver o coração do seu bebê. Não posso ouvi-lo. E nessa idade gestacional eu já deveria ser capaz de ouvir. Não quero te desanimar, mas é provável que tenha acontecido um aborto retido.”
Sabe quando você ouve uma frase, mas não escuta? Foi assim comigo, eu ouvi, mas não escutei. Talvez eu só não quisesse entender. Porque não era possível que isso tivesse acontecido comigo. Otimista, firme na fé, decidi esperar para ouvir a opinião da obstetra quando analisasse o resultado do exame. Afinal a médica da ultrassonografia podia estar errada. A minha idade gestacional podia ter sido mal calculada. Talvez meu bebê ainda fosse novinho demais para ouvirmos o coração. Então, como sempre faço diante de situações que fogem do meu controle, eu fui a Igreja e diante do Santíssimo eu chorei. E entreguei minhas lágrimas, medos e dúvidas nas mãos de Deus. Afinal foi Ele que me atendeu quando eu rezei para ter um filho. E esperei ansiosa pela consulta, para ter certeza de que a médica da ultrassonografia estava errada.
Mas ela não estava. A obstetra viu os exames e me disse que era pouco provável que ela estivesse errada. O mais certo era que tinha acontecido um aborto, coisa super comum, acontece com “todo mundo” e na maioria das vezes a gente nem sabe o motivo. E disse também que eu poderia esperar mais alguns dias e repetir o exame, para ter certeza. Eu esperei e repeti o exame, em setembro de 2014. As imagens me pareceram tão confusas! Não havia mais aquele pequeno ser na tela da ultrassonografia, só podíamos ver várias manchinhas. Era meu filho que estava ali, disforme. Eu só pude chorar. Mesmo quando a médica tentou me acalmar dizendo que minha saúde era ótima e que em breve eu poderia tentar novamente.
Eu sabia disso tudo. Eu sabia que poderia tentar de novo, quantas vezes fosse necessário. Não precisava que ninguém me dissesse isso. Só tinha um problema que ninguém estava compreendendo. Eu jamais poderia ter aquele filho. Não importava quantas vezes eu tentasse. Eu perdi meu filho. Senti a dor da perda e a dor do parto, porque acordei em uma madrugada me curvando de dor com as contrações. Por orientação médica, eu deveria aguardar um certo tempo para ver se meu organismo iria expulsar naturalmente ou se eu teria que fazer uma curetagem. Eu tive o aborto, mas meu organismo não expulsou tudo e precisei fazer a curetagem. Eu que morria de medo da cesariana por causa da anestesia, tive que tomar a anestesia para tirar meu filho que nunca poderia conhecer. Meu corpo se recuperou bem. Mas meu emocional foi destruído. E talvez a parte mais difícil, foi perceber que a maioria das pessoas não entendia que eu estava de luto. Só pensavam que foi uma gestação que não deu certo e tentavam me confortar por isso. Eu pedi que ninguém falasse sobre o assunto comigo. Eu não queria ter que reviver tudo de novo, em todas as vezes que alguém tentasse me consolar. Nesse período eu senti raiva de verdade de várias pessoas. Porque ouvi tanta bobagem, da boca de pessoas que eu adorava. E relevar não funciona muito bem quando o coração está cheio de dor. Acho que uma das coisas que eu ouvi e que mais me incomodou foi que “essa foi a vontade de Deus”. Eu não sei qual é a vontade de Deus pra minha vida. O que eu sabia era que o mesmo Deus que me deu um filho quando eu pedi, não iria tirá-lo de mim só porque ficou com vontade ou porque queria me punir. Não acredito nisso. O Deus em quem eu acredito acolheu meu filho em seus braços e se compadeceu da minha dor, me preparando para ser capaz de tentar de novo e conseguir seguir em frente apesar da profunda tristeza, sendo mãe de um filho que não tive o prazer de ver nascer e crescer. Ao menos eu era mãe, independente do tempo em que durou a vida do meu filho.