quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Castidade?!


Muito se fala sobre sexo antes do casamento, mas pouco se sabe sobre o porquê da Igreja pregar a necessidade de se preservar a castidade. A Igreja sempre foi mal vista quando se trata desse assunto, mas é urgente abordar de uma forma mais clara a questão da sexualidade. 
     Os costumes mudaram muito ao longo do tempo e os próprios meios de comunicação fazem parecer comum os jovens manterem uma vida sexual ativa antes do matrimônio. Mas sabemos que nem tudo que é comum é correto, da mesma forma que São Paulo nos alerta: “Tudo posso, mas nem tudo me convém”. É lógico que eu como jovem de 22 anos penso nisso, pode ter certeza que penso e muito, não me falta vontade de viver algo tão prazeroso... Mas é preciso decidir sobre nossas atitudes sob a luz de Deus, e refletir: Vale a pena? O que Deus espera de mim? O que Ele, meu Mestre e Senhor, quer que eu faça?
     A relação sexual em si não é pecado. Deus criou o homem e a mulher para que vivessem um para o outro, de modo que já não fossem dois, mas apenas uma só carne. É vontade Dele que nós, seus filhos amados, vivamos felizes. Quando nos unimos a alguém, estamos realizando o projeto de Deus, que nos criou para isso. Mas os padrões divinos são específicos: “Sede Santos, pois Eu Sou Santo”. Ele quer que nossa vida seja plena, para isso nos mostra seu modelo de perfeição: já que Ele é santo, misericordioso, fiel e cheio de amor, devemos ser santos, fiéis, misericordiosos e cheios de amor também. Deus deseja que a união entre homem e mulher seja sólida, concreta e baseada na fidelidade e no amor. 
     O sexo para o casal é um meio de estarem ainda mais unidos, é uma ligação entre eles abençoada por Deus. Mas quando a relação sexual é praticada fora do casamento, mostra uma falta de compromisso entre os dois, que buscam o prazer, mas não buscam viver a plenitude do matrimônio, que é a vontade de Deus. Um casal que não busca a bênção para sua união, que vive junto sem receber o sacramento do matrimônio, age dessa forma para deixar uma abertura para fugir, caso algo dê errado. É quase como se fosse uma relação descartável, sem compromisso, “se eu não gostar, abandono meu parceiro e procuro outro”. Quando o sexo é vivido nessas circunstâncias, ele é errado, pois o casal não está vivendo a vontade do Pai. 
    Como já foi dito, Deus quer que sejamos plenamente felizes, só vivendo como Ele nos ensina conseguiremos isso. Seus ensinamentos orientam para sermos santos, fiéis, compromissados e amorosos como Ele é. Não podemos deixar que algo natural, criado por Deus para nossa felicidade seja banalizado, a ponto de perder seu valor. O sexo precisa de significado para acontecer, se não ele vira apenas um ato errado e descartável. 
     “Há tempo para todas as coisas debaixo do céu”, não precisamos nos antecipar e querer viver aquilo que ainda não é apropriado. Não é sábio pensar que o sexo é a única coisa boa que pode haver entre um casal. Cada fase da vida tem suas maravilhas, se reconhecêssemos o quanto o Plano de Deus é perfeito para nós, certamente daríamos mais valor aos momentos, saberíamos o quanto uma conversa pode servir de alimento para o amor, o quanto um beijo pode ser prazeroso, o quanto um abraço pode ser significativo... 
    Viver a castidade é ter maturidade tamanha a ponto de entender que o amor é a base mais importante para um relacionamento, e o amor não precisa só de sexo para existir, pelo contrário, precisa antes de amizade, perdão, companheirismo e diálogo. 

Castidade segundo o Catecismo da Igreja Católica

O batizado, com a graça de Deus, em luta contra os desejos desordenados, chega à pureza do coração mediante a virtude e o dom da castidade, a pureza de intenção e do olhar exterior e interior, com a disciplina dos sentidos e da imaginação e pela oração. A pureza exige o pudor, que, preservando a intimidade da pessoa, exprime a delicadeza da castidade e orienta os olhares e os gestos em conformidade com a dignidade das pessoas e da sua comunhão. Ela liberta do erotismo difuso e afasta de tudo aquilo que favorece a curiosidade mórbida. Requer uma purificação do ambiente social, mediante uma luta constante contra a permissividade dos costumes, que assenta numa concepção errônea da liberdade humana. A castidade é a integração positiva da sexualidade na pessoa. A sexualidade torna-se verdadeiramente humana quando é bem integrada na relação pessoa a pessoa. A castidade é uma virtude moral, um dom de Deus, uma graça, um fruto do Espírito.




Fonte: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA - Compêndio
Disponível também em: http://www.vatican.va/archive/compendium_ccc/documents/archive_2005_compendium-ccc_po.html

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cristo no imaginário infantil


O jornal italiano Corriere della Sera publicou em sua edição eletrônica de fim de semana uma enquete muito divertida.
Trata-se de opinar sobre o relacionamento das crianças italianas com o Menino Jesus.
         Os leitores devem escolher entre frases tiradas do livro: "Caro Gesù: la giraffa la volevi proprio così o è stato un incidente?" (Querido Jesus, a girafa você queria assim mesmo ou foi um acidente?), recém-lançado pela editora Sonzogno.
         É uma amostra do que elas costumam escrever nas redações da escola, nas aulas de catecismo e em bilhetinhos de  final de ano.
Na Itália, o Papai Noel não toma conta do imaginário infantil e Gesù Bambino é um poderoso concorrente do bom velhinho nórdico.
Escolha você também a sua frase preferida.

"Querido Menino Jesus, todos os meus colegas da escola escrevem para o Papai Noel,
 mas eu não confio naquele lá.
Prefiro você.“
   (Sara)

"Querido Menino Jesus, obrigado pelo irmãozinho.
Mas na  verdade eu tinha rezado pra ganhar um cachorro."
(Gianluca)

"Querido Jesus, por que você não está inventando nenhum  animal novo nos últimos tempos?
 A gente vê sempre os mesmos." 
  (Laura)

"Querido Jesus, por favor, ponha um pouco mais de férias entre o Natal e a Páscoa.
No meio, agora está sem nada.“
 (Marco)

"Querido Jesus, o padre Mário é seu amigo
 ou você conhece ele só do trabalho?“
 (Antonio)

"Querido Menino Jesus, por gentileza, mande-me um  cachorrinho.
 Eu nunca pedi nada antes, pode conferir.“
 (Bruno)

"Querido Jesus, talvez Caim e Abel não se matassem  se tivessem um quarto pra cada um.
 Com o meu irmão funciona." 
 (Lorenzo)

"Querido Jesus, eu gosto muito do padre-nosso.
Você  escreveu tudo de uma só vez, ou você teve que ficar apagando?
Qualquer coisa que eu escrevo eu tenho que refazer um monte de vezes."
(Franco)

"Querido Jesus, nós estudamos na escola que Thomas Edison inventou a luz.
 Mas no catecismo dizem que foi você.
Pra mim ele  roubou a sua idéia.“
(Daria)

"Querido Jesus, em vez de você fazer as pessoas morrerem e aí criar novas pessoas,
 por que você não fica com as que já tem?" 
(Marcello)

"Querido Jesus, você é invisível mesmo ou é só um truque?"
(Giovanni)

Aborto


O quinto mandamento da lei de Deus nos proíbe claramente de tirar a vida de alguém, o que inclui cometer aborto ou ainda cooperar com o ato. O inciso § 2272 do catecismo da Igreja Católica nos diz: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida.” Deus em todo momento nos mostra o quanto somos importantes para Ele, na Bíblia temos várias passagens que reafirmam isso: “Antes mesmo de te formares no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei (Jr 1,5)”. “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância. (Jo 10, 10)”. Qualquer ato contra a vida além de ser um crime, é também um desrespeito ao amor de Deus por nós, que nos confia o nobre encargo de preservá-la, tarefa essa que deve ser exercida de maneira digna. Por isso a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção até seu fim natural. Temos várias histórias reais que nos mostram o arrependimento e o sofrimento causado por esse ato, tanto na pessoa que o pratica quanto na sociedade, que sofre ao perder os valores que a mantém sólida. Relembrando ainda a história de Papa João Paulo II, na época que sua mãe engravidou dele, estava proibida de ter filhos. Diante de uma gravidez de altíssimo risco, onde iriam morrer mãe e filho na concepção médica, a solução para ela seria o aborto. Mas ela optou pela vida, no seio materno não conseguiu destruir uma inocente vida que estava para nascer. Assim ela nos trouxe nosso querido Papa da vida, da família, dos jovens, enfim, sob tantos títulos, ele foi essa pessoa maravilhosa que, através de seus atos, conseguiu fazer do mundo um lugar um pouco melhor, deu esperança às pessoas, fez muitos de nós acreditar que é possível viver dignamente os valores de Jesus. Preservar a vida é um ato mais que bonito, é um dever para todo cristão! A vida é uma dádiva de Deus! Acredite na vida, seja feliz e viva bem!

Sacramentos e Sacramentais

Jesus Cristo, hoje glorificado e ao lado direito do Pai, como Ele mesmo já havia anunciado, continua agindo em nossa vida e nos comunicando sua Graça através dos sete Sacramentos, que Ele mesmo instituiu e confiou à Igreja.
Os Sacramentos são sinais sensíveis e visíveis que nos concedem a vida divina. São eles: Batismo, Eucaristia e Crisma (sacramentos de iniciação Cristã); Penitência e Unção dos enfermos (sacramentos da cura); Ordem e Matrimônio (sacramentos ao serviço da comunhão e da missão). Pode-se perceber que eles tocam todas as etapas importantes da vida cristã.
Através do Batismo somos reconhecidos como Filhos de Deus e confirmamos essa nossa vontade com o sacramento do Crisma. A Eucaristia é nosso alimento espiritual, que nos fortalece e garante a vida, e a Penitência é o modo como nos reconciliamos com o Pai quando nos afastamos de sua Graça por causa do pecado. A Unção dos Enfermos nos cura e liberta das enfermidades do corpo e da alma. O matrimônio dá ao homem e à mulher uma íntima comunhão de vida e de amor entre eles, de modo que já não são dois, mas uma só carne. E a Ordem é o sacramento graças ao qual a missão confiada por Cristo aos seus Apóstolos continua a ser exercida na Igreja.
         Já os Sacramentais, instituídos pela Igreja, são sinais sagrados pelos quais somos preparados para receber o fruto dos sacramentos e ter santificadas várias circunstâncias de nossa vida. Os sacramentais não conferem a Graça do Espírito Santo assim como os Sacramentos, mas pela oração da Igreja nos preparam para recebê-la. Entre os sacramentais, encontram-se primeiramente as bênçãos, que são louvores a Deus e orações para obter seus dons, as consagrações de pessoas e as dedicações de coisas para o culto a Deus.
         Jesus em sua infinita bondade e misericórdia, não querendo nos deixar sem Seu amparo, deixou-nos os sacramentos de modo que assim, estivéssemos em íntima comunhão com Ele. 

sábado, 25 de dezembro de 2010

A PALAVRA DA VIDA Jo 1,1-18

Estamos diante do portão de entrada, a primeira coisa que se vê ao abrir o Evangelho de João. O Prólogo é como uma fonte, da qual quanto mais se tira água, mais água aparece. Por isso que há muito escritos sobre o Prólogo de João e nunca se esgota o assunto.
No princípio era a Palavra, luz para todo ser humano. “No princípio era a Palavra…” faz pensar na primeira frase da Bíblia que diz: “No princípio Deus criou o céu e a terra”. Deus criou por meio da sua Palavra. “Ele falou e as coisas começaram a existir”. Todas as criaturas são uma expressão da Palavra de Deus. O prólogo diz que a presença universal da Palavra de Deus é vida e luz para todo ser humano. Esta Palavra viva de Deus, presente em todas as coisas, brilha nas trevas. As trevas tentam apagá-la, mas não conseguem. A busca de Deus renasce constantemente no coração humano. Ninguém consegue abafá-la.
João Batista não era a luz. João Batista veio para ajudar o povo a descobrir e saborear esta presença luminosa e consoladora da Palavra de Deus na vida. O testemunho de João Batista foi tão importante que muita gente pensava que Ele fosse o Cristo (Messias) (At 19,3; Jo 1,20). Por isso o Prólogo continua: “João Batista veio apenas para dar testemunho da luz!” (Jo 12,7s).
Os seus não a receberam (Jo 1,9-11): Assim como a Palavra de Deus se manifesta na natureza, na criação, da mesma maneira ela se manifesta no “mundo”, isto é, na história da humanidade e, de modo particular, na história do povo de Deus. Mas o “mundo” não reconheceu nem recebeu a Palavra. Desde os tempos de Abraão e Moisés, ela “veio para o que era seu, mas os seus não a receberam”. Quando fala “mundo” João indica o sistema tanto do império como da religião da época, fechados sobre si e incapazes de reconhecer e receber a Boa Nova (Evangelho) da presença luminosa da Palavra de Deus.
Os que aceitam tornam-se filhos de Deus. As pessoas que se abriam, aceitando a Palavra, tornavam-se filhos de Deus. A pessoa se torna filho ou filha de Deus não por mérito próprio, nem por ser da raça de Israel, mas pelo simples fato de confiar e crer que Deus, na sua bondade, nos aceita e nos acolhe. A Palavra entra na pessoa fazendo-a sentir-se acolhida por Deus como filho(a). É o poder da graça de Deus.
A Palavra se fez carne. Deus não quer ficar longe de nós. Por isso a sua Palavra chegou mais perto ainda e se fez presente no meio de nós na pessoa de Jesus. Literalmente o texto diz: “A Palavra se fez carne e montou sua tenda no meio de nós!”. No tempo do Êxodo, lá no deserto, Deus vivia numa tenda, no meio do povo (Ex 25,8). Agora, a tenda onde Deus mora conosco é Jesus, “cheio de graça e de verdade!”. Jesus veio revelar quem é este nosso Deus que está presente em tudo, desde o começo da criação.
Moisés deu a Lei, Jesus trouxe a Graça e a Verdade (Jo 1,15-17): Estes versículos resumem o testemunho de João Batista a respeito de Jesus: “Aquele que vinha antes de mim passou na minha frente porque existia antes de mim!” (Jo 1,15.30). Jesus nasceu depois de João, mas ele já estava com Deus desde antes da criação. Da plenitude dele todos nós recebemos, inclusive o próprio João Batista. Moisés, dando a Lei, nos manifestou a vontade de Deus. Jesus trouxe a graça e a verdade que nos ajudam a entender e a observar a Lei.
É como a chuva que lava. Este último versículo resume tudo. Ele evoca a profecia de Isaías segundo a qual a Palavra de Deus é como a chuva que vem do céu e para lá não volta sem ter realizado a sua missão aqui na terra (Is 55,10-11). Assim é a caminhada da Palavra de Deus. Ela veio de Deus e desceu entre nós na pessoa de Jesus. Através da obediência de Jesus ela realizou sua missão aqui na terra. Na hora de morrer, Jesus entregou o Espírito e voltou para o Pai. Cumpriu a missão que tinha recebido.

Feliz Natal!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Nasce o Messias Salvador, o Senhor.

Estudando o Evangelho e entendendo a noite de Natal.

O RECENSEAMENTO: O primeiro dos três recenseamentos de César foi feito no ano 28 aC, que corresponde ao 749 da fundação de Roma. Havia duas classes de censo pessoal: a) o dos cidadãos romanos (census populi) tanto na Itália como nas províncias. Em grego apotímesis tou desmou (censo do povo), era feito com a finalidade de recolher impostos ou exigir o serviço militar.

Normalmente requeria uma declaração (apografê) e uma valoração das propriedades (timêsis).Este tipo de censo foi feito nos anos 28 e 8aC, e 14dC b)dos incolae, ou habitantes nas províncias que não tinham cidadania romana. Chamava-se também apografê, palavra que usa Lucas, e fazia-se nas províncias, dependendo das condições da demarcação em curso.

Por exemplo, no Egito cada 14 anos desde o 33/34. Nas Gálias 27 e 12 aC e 14-16 dC. E consta que na Lusitânia (Portugal), Espanha e Judéia realizaram-se também esta classe de apografés. Nas províncias imperiais, os delegados como era o caso da Síra-Palestina, podiam convocar o censo por própria vontade. Distinguia-se também entre apografé, um termo genêrico para qualquer tipo de censo e apotímesis, termo técnico para um censo para fins fiscais.

No nosso caso não parece ser um censo fiscal, mas uma convocação para prestar um juramento de fidelidade a César no tempo de Herodes, feito por comparecimento à semelhança com o que foi feito em Paflagônia. Este juramento foi feito por ordem de Roma e com os procedimentos romanos: isto é, no lugar de residência de cada um, especialmente no Oriente em que abundava a população flutuante. Foi feito para congraçar-se com César, aproximadamente no ano 7 aC. Seis mil fariseus se negaram e foram multados, multa que foi paga pela mulher de Ferora, irmão de Herodes. Este censo-juramento do ano 7/6 aC foi feito antes do censo de Quirino, legado da Síria no ano 6/7 dC.

Por que Lucas escreve sobre Quirino se não era propriamente esse o censo que obrigou José a ir a Belém? A solução é a memória incorreta dos judeus que consideravam como datas memoráveis tanto a morte de Herodes como o censo de Quirino em que os tumultos do povo foram notáveis. Por outra parte devemos ter em conta que tais censos demoravam anos para serem cumpridos. Daí que, por exemplo, no Egito se realizassem cada 14 anos. A data, pois, de Lucas podia ser traduzida por: "antes do famoso censo de Quirino". . Foi feito no tempo em que Sentio Saturnino era legado da Síria (9-6 aC), segundo diz Tertuliano.

A apografê ou inscrição de pessoas e propriedades iniciou-se em tempos de Saturnino (7/6aC) e a ulterior apografesis (apotímesis) ou objetivo cadastral dos dados registrados foi realizada por Quirino(6/7 dC ) com a conseguinte revolta dos contribuintes judeus.

PUBLIUS SULPICIUS QUIRINUS (Cyrinus em latim): No ano 12 aC foi proclamado cônsul em companhia de Valgio Rufo. Tácito fala dele como um soldado intrépido e disciplinado que lutou contra os bandidos homonadenses na Cilícia ao sul da província da Galácia, sudeste da Ásia Menor, lugar montanhoso e terra perigosa pelos bandidos. Estrabón disse que após cortar toda possibilidade de mantimentos fez 4 mil prisioneiros e os deportou, de modo que ficaram as terras sem homens. Após o ano 4 aC foi Rector (assessor) do filho adotivo do imperador, vice-rei na época das províncias orientais entre as quais estava a Síria. Ao unir à Síria os territórios de Arquelau ano 6 dC Quirino foi o Legatus (delegado) da Síria, encarregado de fazer o censo na província e vender os bens patrimoniais de Arquelau na Palestina. Censo que é descrito por Atos 9, 37 e que deu lugar à insurreição de Judas o Galileu.

MOTIVO: Qual foi a intenção de Lucas? Sem dúvida delimitar o nascimento de Jesus com fatos históricos conhecidos na sua época. À partir dessa intenção temos a ação do Espírito que nos dá detalhes para combater uma das mais sugestivas heresias do primitivo cristianismo: o docetismo, que pretendia provar que o corpo de Jesus era aparente. Os detalhes de seu nascimento desbaratam semelhante disparate. Uma outra intenção é ligar Jesus com Davi, não unicamente como descendente, da mesma tribo, mas também como um nascido no mesmo lugar para indicar a ininterrupção da realeza fundada no mais famoso dos reis de Israel. O nome Betlehem, casa do pão, é simbolicamente uma referência ao que se chamaria pão descido do céu (Jo 6, 51). Belém era a cidade de Davi e seria logo a cidade de Jesus.

PRIMOGÊNITO: A palavra protótokos (primogênito ou primeiro nascido) tem um valor técnico, religioso. Traduz a palavra hebraica BEKOR, que tem valor semântico como primícias que devem ser dadas a Jahveh. Nada indica sobre outros filhos. Um filho único é primogênito segundo a linguagem bíblica.

OS SINAIS O parto, segundo os dias costumeiros numa mulher, o envoltório em faixas era coisa rotineira entre as mulheres da época e da Palestina. Tudo par indicar que Jesus era um homem normal de corpo e osso, formado durante a gravidez no seio de Maria (contra o docetismo e a heresia de Marcion).

O que não é normal é o presépio e por isso Lucas deve dar a razão do mesmo: Não havia lugar para eles no KATALIMA. o significado inicial era o quarto de hóspedes. A palavra tem origem em kataluein, verbo que significa desatar. Era inicialmente o lugar em que se desatavam as cavalgaduras após a viagem (malon em hebraico) ou albergue noturno.
Ou seja, um albergue, que pode ser até uma casa particular, LISHK. A sala de invitados como em 1Sm 1, 18 (só nos setenta). Tanto Marcos como Lucas usam katalima para a sala de refeição da última ceia, que a vulgata traduz por refectio (refeitório) em Marcos e diversorium (alojamento) em Lucas. E dizem ambos os evangelistas que o dono mostrará o ANAGAION ( cenaculum em latim) em ambos casos.

Uma solução moderna é dada pela arqueologia: As casas de Belém não eram covas escavadas no monte, como eram as de Nazaré, mas construídas ao redor de um pátio comum. Eram casas de dois andares. O andar inferior era uma cobertura em forma de arco ou abóbada, sobre a qual estava a casa propriamente dita à qual se subia por uma escada externa. Nessas habitações do andar superior não havia lugar, nem espaço físico disponível, nem lugar decente para um parto. Por isso escolheram o andar inferior, estábulo dos animais. Os pastores recebem como sinais (Semeion ou Oth em hebraico) as faixas e o presépio. Semeion era um meio da manifestação divina, nem sempre miraculosa.

Assim o arco iris era sinal de não acontecer um novo dilúvio. São fatos indicadores de um acontecimento que deve ser conhecido. Não são apologéticos, mas didáticos. O simbolismo das faixas pode ser evidente, pois Salomão em Sb 7, 4 relaciona sua condição de REI com o fato de ter sido envolto em faixas. Ou como Moisés que foi envolto pela própria mãe por falta de parteira. Mais bem parece ser um sinal de que Jesus é como todo homem quando criança que é amado e acolhido, à diferença de Jerusalém que, segundo Ezequias 16, 4-5 afirma, tornar-se-ia uma cidade abandonada. Pelo contrário teve uma verdadeira mãe que o cuidava desde o primeiro instante. Um messias menino era praticamente impensado nos tempos de Jesus. Uma mãe solícita é o que descobrimos neste relato íntimo e familiar.

Os católicos descobriram Maria como instrumento vivo para a vida do Salvador. O Verbo escolheu o Homem Jesus, mas também escolheu de modo especial Maria como mãe.

OS PASTORES: Eram nômades que viviam no descampado pastoreando seu rebanho e à noite faziam suas vigílias para guardá-lo. A DOXA (o Kabod Jahveh) os envolveu de luz. No grego clássico doxa é a opinião favorável dos homens. No grego bíblico corresponde à tradução de Kabod , ou seja, a manifestação visível de Deus junto a seu povo, rodeando o tabernáculo (Ex 16,10) ou o templo na visão de Ezequiel (Ez 9,3). Deus toma como nova moradia os corpos simples dos pastores. São os novos tabernáculos, segundo o que Jesus declara à samaritana (Jo 4,24)

O ANÚNCIO: Era o nascimento de um Salvador, Messias Senhor, que por sua vez era causa de um grande gozo para todo o povo de Israel. Pois o Laós bíblico significa o povo escolhido diferente do ethnos, povo gentil. Soter (Moshaá) é o titulo de Deus quando realizava atos salvadores. Da raiz Yesha (salvação), provém o nome Yeshuá, nomes em hebraico que traduzem por Jesus. O segundo título dado pelo anjo é o de Cristo, (Khristós ou Mashiáh) Ungido. No AT era o título dos homens cuja missão era acompanhada de uma unção: o rei, o sacerdote e o profeta. O terceiro título é o de Senhor (Kyrios, que no AT era a tradução de Jahveh, no hebraico Mareh [só para reis e Deuses] e daí a fórmula maran athá = Senhor, vem! em 1Co 16,22). Os três títulos aparecem unidos em Fp 3, 20: "Nossa pátria está nos céus de onde esperamos como salvador o Senhor Jesus Cristo".

O PRESÉPIO: (Fatne ou Ebus ) O midrash judeu recolhe a lenda que, Adão castigado depois do pecado, replica a Deus: terei que comer no mesmo presépio que meu asno? Outra explicação é a de Isaias: conhece o boi seu dono e o asno o presépio de seu amo; mas Israel não me conhece; o povo não me discerne (1,3). Agora serão os pastores, os mais humildes, que conhecem Jesus e voltam louvando Deus. Finalmente o presépio era um sinal de que o menino era descendente de um rei que tinha sido pastor e nesse oficio elevado a rei. Era, pois aos pastores que Deus revela sua providencial intervenção de um messias pastor, nascido de uma mulher sem especial relevância (Lc 2, 48).

O CANTO: A DOXA significa honra que se deve tributar a Deus, como o leproso samaritano em Lc 17, 18. A divindade tem uma série de atributos que formam sua Doxa (sabedoria, poder, imortalidade...), mas o homem pode dar graças por uma intervenção poderosa e salvadora de Deus e esta é a glória que a Divindade espera e que os anjos louvam como louvarão os eleitos a majestade divina por toda a eternidade. Paz, ou Eirene, (shalom em hebraico) é o oposto a guerra e em sentido figurado significa tranquilidade de espírito.

Biblicamente no NT significa o conjunto de bens desejáveis. Quando se trata da paz messiânica abrange todos os bens essencialmente os de ordem espiritual, provindo diretamente de Deus, que o Messias devia aportar como príncipe da paz (Is 9,5), afirmando Miquéias que ele mesmo será a paz (5,4) O salmo 85, 9-10 resume perfeitamente este ambiente messiânico. Após o cântico de Zacarias a paz tem um sabor de perdão, de amizade renovada após um período de inimizade (Lc 1,77). Cristo fez horizontalmente de dois povos um só e verticalmente reconciliou a humanidade com Deus (Ef 2, 14-18).

A Nova Aliança que foi chamada pelos profetas aliança de paz (Ez 37,26) seria uma aliança entre amigos e não mais entre servos (Jo 15,15). A BOA VONTADE é uma tradução pouco feliz da palavra grega EUDOKIAS, que significa complacência, beneplácito, sem dúvida do hebraico RATSON, prazer, satisfação. É a palavra empregada no batismo de Jesus quando se submete à humilhação de ser considerado pecador (Lc 3, 22) ou no momento da transfiguração (Mt 12, 18). Um fundo em todos eles de filiação, o verdadeiro filho de Deus que se submete e no qual o Onipotente admite ter verdadeira complacência: Paz na terra aos filhos do beneplácito divino, poderíamos traduzir em definitivo.

PISTAS:.1) Muitos acreditam que quanto mais divinizemos a figura de Jesus tanto mais se tornará em proveito próprio essa imagem sagrada do mesmo que aparentemente despojamos da vertente humana.

O evangelho de hoje mostra o contrário: Deus quis se aproximar do homem, tornando-se um de nós, sem diferença, porque ele ama a humanidade e a admite no seu filho com e motivo de nossa meditação.

2). Se Cristo é como homem o modelo, poderemos pensar que tipo de homem [o sábio, o rico, o poderoso, o louvado e estimado], ou pelo contrário [o pobre, o humilde, o necessitado, o escondido e até excluído], foi desde o início o homem Jesus em quem o Verbo quis habitar pessoalmente unido a Ele.

Evidentemente o evangelho de hoje escolhe este segundo tipo e o descreve com especiais detalhes de modo que ninguém se sinta envergonhado de sua pequenez e insignificância.

3) Jesus é pastor, nasce como pastor e é visitado e adorado por pastores antes de ser Rei. Deus entre os homens gostará de ser o verdadeiro pastor trocando uma realeza esperada como era o esperado de um descendente do rei Davi, pelo ofício que este tinha de cuidar das ovelhas. O reinado de Cristo começa pelo serviço como pastor que dá a vida pelas ovelhas.

FELIZ E SANTO NATAL A TODOS!


Fonte: http://www.sidneyrezende.com/noticia/25882+homilia+de+bento+xvi

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Nascimento de João Batista

A Igreja celebra o nascimento de João como algo sagrado, e é o único nascimento que se festeja: celebramos o nascimento de João e o de Cristo e o seu nascimento foi motivo de alegria para muitos.
Quando São João Batista nasceu, a Virgem Maria estava em sua casa. Quanta alegria e doçura reinavam naquele lar. Os dias da Virgem em casa de Zacarias foram de grande gozo para todos. Maria dava um novo sentido aos pequenos sucessos quotidianos. Esta alegria contagiosa, de que participavam vizinhos e parentes.Os vizinhos e os parentes ouviram dizer que Deus a cumulara com sua misericórdia e com ela se alegraram.
Os vizinhos e parentes se alegraram por Isabel ter sido agraciada por Deus: Não temas, Zacarias, porque a tua súplica foi ouvida, e Isabel, tua mulher, vai te dar um filho, ao qual porás o nome de João. Terás alegria e regozijo, e muitos se alegrarão com o seu nascimento. Pois ele será grande diante do Senhor; não beberá vinho, nem bebida embriagante; ficará pleno do Espírito Santo ainda no seio de sua mãe (Lc 1, 13-15).
Hoje, infelizmente, muitos se enchem de inveja e de ódio, quando ficam sabendo que uma pessoa recebeu alguma graça ou que está progredindo na vida. Essa é a atitude de pessoas amigas e discípulas do demônio.
Tu sabes quais são os sinais para saber se uma pessoa é invejosa?
1º Alegrar-se com o mal alheio. Se você percebe que uma pessoa se alegra com a desgraça do próximo, que sente prazer por qualquer insucesso ou fracasso do próximo, então já descobriu uma pessoa invejosa. Em 1 Pd 2, 1 diz: Rejeitai… qualquer espécie de inveja. Cuidado com esse tipo de gente; isto é, cuidado com a pessoa que se alegra com o mal alheio, a mesma é pior que o diabo. Os invejosos são piores que o diabo, pois o diabo não inveja os outros diabos, ao passo que os homens não respeitam sequer os participantes da sua própria natureza.
2º Entristecer-se com o bem alheio. Se você percebe que uma pessoa se entristece, só porque viu alguém subir de cargo, tome cuidado, ela é invejosa e venenosa. O invejoso não consegue se controlar diante do sucesso do próximo, ele fica inquieto e se transforma num monstro: Enruga a testa, cerra os dentes, torce o nariz, fica com o semelhante azedo e olhos fixos no chão. A inveja quando não destrói o invejado, tira a paz do invejoso!
3º Reprimir os louvores dados aos outros. O invejoso não suporta ouvir ninguém ser elogiado, logo diz algo contra a pessoa que foi elogiada; o mesmo encontra defeito em tudo. Aos olhos do invejoso qualquer defeito dos outros é grande. O invejoso também vê o bem, mas sempre com maus olhos. Até das pessoas santas o invejoso tenta tirar alguma coisa, não podendo negar o louvor aos santos, ele o faz com avareza e reserva. Quanta maldade!
4º Falar mal do próximo. A língua do invejoso se assemelha a uma metralhadora incontrolável; a sua inveja é tão grande, que ele fala mal do próximo publicamente e também em segredo; quanto aos defeitos dos outros, o invejoso sempre aumenta ou inventa. Da inveja nascem o ódio, a maledicência e a calúnia.
No Antigo Testamento a circuncisão era um rito instituído por Deus para assinalar como com uma marca e contra-senha os que pertenciam ao povo eleito. Deus mandou a circuncisão a Abraão como sinal da Aliança que estabelecia com ele e com toda a sua descendência (cfr Gn 17, 10-14), e prescreveu que se realizasse no oitavo dia do nascimento. O rito realizava-se na casa paterna ou na sinagoga, e além da operação sobre o corpo do menino, incluía bênçãos e a imposição do nome.
Com a instituição do batismo cristão cessou o mandamento da circuncisão. Os Apóstolos, no concílio de Jerusalém (cfr At 15, 1 ss.), declararam definitivamente abolida a necessidade do antigo rito para os que se incorporassem na Igreja.
A libertação da voz de Zacarias, no nascimento de João, é o mesmo que o rasgar-se do véu do templo, pela cruz de Cristo. Se se anunciasse a si mesmo, João não abriria a boca de Zacarias. Se solta a língua, porque nasce a voz; pois aos que disseram a João, já a prenunciar o Senhor. Com razão se soltou em seguida a sua língua, porque a fé desatou o que tinha atado a incredulidade. É um caso semelhante ao do apóstolo São Tomé, que tinha resistido a crer na Ressurreição do Senhor, e acreditou depois das provas evidentes que lhe deu Jesus ressuscitado (cfr Jo 20, 24-29). Com estes dois homens, Deus faz o milagre e vence a sua incredulidade; mas ordinariamente Deus exige-nos fé e obediência sem realizar novos milagres. Por isso repreendeu e castigou Zacarias, e censurou o apóstolo Tomé: Porque Me viste acreditaste; bem-aventurados os que sem ter visto acreditaram (Jo 20, 29).
As pessoas ali presentes compreenderam que estavam diante de algo sobrenatural, ainda que não tivessem um conhecimento completo do que estava a suceder: “… e por toda a região montanhosa da Judéia comentavam-se esses fatos”. E diziam: “Que virá a ser esse menino? ’ E, de fato, a mão do Senhor estava com ele”.
Que São João Batista abra os nossos olhos e a nossa língua, porque estamos cegos e mudos espiritualmente, os vícios nos cegaram, taparam e não conseguimos enxergar a e falar da grandeza de sua vida de santidade.


Padre Bantu Mendonça K. Sayla

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"A minha alma engrandece o Senhor"

“Magnificat” é o título latino muito cedo dado ao “Cântico de Maria”, o belo poema de Lc 1, 46-56. Mas engana-se quem pensa que Maria pronunciou tudo aquilo de improviso, dando uma de repentista.
O poema é uma coletânea de versos extraídos do Primeiro Testamento, tendo como pano de fundo o chamado Cântico de Ana (1 Sm 2,1-10).
E nesse sentido é poema de mulheres pobres, não só por marcar o encontro de Maria e Isabel, mas por se constituir em memória de um grupo que por nós precisa ser melhor conhecido.
Ao atribuir o poema a Maria, a comunidade de Lucas quer, entre outras coisas afirmar que a jovem mãe fazia parte dos pobres de Deus.
Desde a época da destruição do país pela Babilônia, que aconteceu por volta de 587 a.C., o povo israelita começa a esperar o restaurador do reino davídico, o Messias.
Com o passar do tempo, vão se constituindo grupos e partidos, cada um com sua teologia própria, cada um esperando um messias que viesse satisfazer seus interesses. Começam a se formular compreensões diferentes dessa figura.
Os fariseus, por exemplo, aguardavam a chegada de um messias que viesse restaurar o reino davídico a partir da exigência do cumprimento total da Lei de Moisés. Os zelotas, por sua vez, aguardavam um messias guerrilheiro que expulsasse a dominação romana por meio de uma revolução armada.
Apesar dos poucos registros históricos, sabemos da existência de um outro grupo que se reunia para louvar ao Deus dos pobres, na espera de um messias que viesse do meio dos pobres, tal como havia profetizado Zacarias: “Eis que o teu rei vem a ti; ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta” (Zc 9,9). Trata-se dos ‘anawîm, os pobres de Deus.
Desse grupo faziam parte, provavelmente, Isabel e Zacarias, os pais de João Batista, justos diante de Deus (Lc 1,5-6); o justo e piedoso Simeão, que aguardava a consolação de Israel (Lc 2, 25); a profetiza Ana, com seus oitenta e quatro anos de sonho e esperança (Lc 2, 36-38). E Maria, com seu noivo José, que também era justo, conforme Mt 1,19.
O termo “justo” é um adjetivo freqüentemente atribuído às pessoas participantes do grupo dos ‘anawîm. É notável a liderança das mulheres entre os ‘anawîm. Muito provavelmente em seus momentos de encontro, de oração, elas iam coletando frases do Primeiro Testamento e compondo canções como o Magnificat.
Os capítulos iniciais do evangelho de Lucas recolhem ainda o chamado Cântico de Zacarias (Lc 1, 68-75), outro exemplo desses poemas. Maria sabia de cor essas canções, elas eram a história do seu povo. Composição de mulheres que conhecem bem as Escrituras
Numa cultura onde as mulheres não tinham acesso às letras, chama a atenção como no Magnificat se fazem presentes os textos bíblicos.
É evidente a força feminina na manutenção da história através da memória oral, visto que a escrita estava ligada a pequenos grupos, normalmente de homens detentores do poder. Assim perceberemos como Maria e as suas companheiras conheciam bem a história de seu povo e dela tiravam forças para lutar.
A principal fonte inspiradora do Magnificat é o Cântico de Ana, mulher estéril, por isso discriminada e humilhada. Na amargura, chora e derrama a sua alma diante de Deus (1 Sm 1,10.15). Mas sabe expressar a sua gratidão ao se tornar mãe de Samuel: “eu o pedi a Javé” (1 Sm 1, 20).
Muito sabiamente, o redator de 1Sm a ela atribui o poema presente em 1Sm 2,1-10. “O meu coração exulta em Deus, a minha força se exalta arco dos poderosos é quebrado, os fracos são cingidos de força” (vv 1.4-5).
Entretanto, o Magnificat percorre vários livros do Primeiro Testamento.
Isaías havia dito: Transbordo de alegria em Javé, a minha alma se alegra, porque ele me vestiu com vestes de salvação, cobriu-me com um manto de justiça.. (Is 61,10). Hab 3,18 diz algo semelhante: “Eu me alegrarei em Javé, exultarei no Deus de minha salvação. A figura do “servo sofredor” também é retomada, quando o poema diz que o Senhor “socorreu Israel seu servo”(Lc 1,54).
Em Maria acontece algo extraordinário: toda a sua alma concebe o Verbo de Deus, porque ela foi imaculada e isenta de vícios, guardou a sua castidade com pudor inviolável. Assim, com Maria, engrandece ao Senhor, aquele que segue dignamente a Jesus Cristo.
A Virgem humilde de Nazaré vai ser a Mãe de Deus; jamais a onipotência do Criador se manifestou de um modo tão pleno. E o Coração de Nossa Senhora manifesta de modo transbordante a sua gratidão e a sua alegria. E então, canta: a minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito exulta em Deus meu Salvador.

Dezembro: Fim e Recomeço



O mês de dezembro representa um fim... mas um fim que anuncia um recomeço ou um novo ano. Essa sucessão de anos, que vão sendo contados em ordem crescente, faz pensar: um aumento numérico sem aumento qualitativo pode gerar monstruosidade; exige qualidade correspondente à quantidade que cresce. O fim do ano nos aproxima do fim de nossa caminhada na terra, mas nos aproxima também do começo de nossa vida definitiva. Se o corpo envelhece, a alma não envelhece; é dotada de juventude perene; se na velhice do corpo ela não se manifesta, isto se deve a deterioração do corpo, e não a insuficiência da alma humana, que tem o corpo como seu instrumento. Nesse contexto pode-se crer que três sentimentos movem o cristão peregrino na terra:
1) Gratidão ao Senhor pelo dom da vida. O tempo é a primeira dádiva de Deus ao homem; é tempo redimido pelo sangue de Cristo, tempo de santificação ou kairós. Junto com a gratidão vai um ato de arrependimento pelo possível descaso do tempo que foi confiado a cada um. Arrepender-se não humilha é atitude nobre, que supõe a coragem de reconhecer a verdade e confessá-la a Deus e a quem compete ouvi-la.
2) Mais maturidade... A vida é uma escola, em que vamos aprendendo a escalonar sempre melhor os nossos valores, de modo a viver sempre mais acertadamente na demanda do Absoluto e Definitivo. O começo de novo ano é um convite a mais seriedade e profundidade. São Paulo fala muito do crescer em maturidade: "Não sejamos crianças, joguetes das ondas, sacudidos por qualquer vento de doutrina; ao contrário, com a sinceridade do amor, cresçamos até alcançar inteiramente aquele que é a Cabeça, Cristo" (Ef 4,14s).
3) Alegria... Se, de um lado, o corpo vai-se fragilizando com o tempo e obrigando a renunciar a muitos valores legítimos, de outro lado, o cristão se regozija porque vai chegando ao fim da sua peregrinação e, como um barco que navega, é mais e mais penetrado pela luz da vida definitiva emitida pelo porto ao qual tende. A vida do cristão não pode deixar de ser marcada por uma viva alegria interior, pois deve ser um progresso que, deixando para trás infantilismo e imaturidade, vai sendo invadida pelos valores eternos que lhe serão cada vez mais próximos. Só há um mal que possa perturbar essa alegria íntima: o pecado ou a fuga diante do Absoluto e Eterno.

 
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB 
(Nascimento: 16/09/1919, no Rio de Janeiro, RJ e 
Falecimento: 14/04/2008, no Rio de Janeiro, RJ)
Diretor Emérito da Escola Mater Ecclesiae  

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O que realmente importa...

Crônicas Saxônicas


A CANÇÃO DA ESPADA

Quarta parte da série as Crônicas Saxônicas


Escuridão. Inverno. Noite de geada e sem lua. Flutuávamos no rio Temes, e para além da proa alta do barco eu podia ver as estrelas refletidas na água reluzente. O rio estava cheio, alimentado pela neve dos morros incontáveis. Os regatos temporários fluíam das terras altas, de calcário, em Wessex. No verão aqueles riachos estariam secos, mas agora espumavam descendo pelos morros compridos e verdes, enchiam o rio e fluíam para o mar distante. Nosso barco, que não tinha nome, estava perto da margem no lado de Wessex. Ao norte, do outro lado do rio, ficava a Mércia. Nossa proa apontava rio acima. Estávamos escondidos entre os galhos dobrados e sem folhas de três salgueiros, mantidos ali contra a corrente por uma corda de couro amarrada a um dos galhos. Éramos 38 naquele barco sem nome, um navio mercante que costumava atuar nas partes mais altas do Temes. O comandante do navio se chamava Ralla e estava a meu lado com a mão no remo-leme. Eu mal podia vê-lo no escuro, mas sabia que ele estava usando gibão de couro e tinha uma espada à cintura. O restante de nós usava couro e cota de malha, tínhamos elmos e levávamos escudos, machados, espadas ou lanças. Esta noite iríamos matar. Sihtric, meu servo, agachou-se a meu lado e passou uma pedra de amolar na lâmina de sua espada curta.

— Ela diz que me ama — argumentou.

— Claro que diz — respondi.

Ele parou, e quando falou de novo sua voz havia se animado, como se tivesse ganhado coragem com minhas palavras.

— E já devo ter 19 anos, senhor! Talvez até 20, quem sabe?

— Dezoito? — sugeri.

— Eu já poderia estar casado há quatro anos, senhor!

Falávamos quase aos sussurros. A noite era repleta de sons. A água ondulava, os galhos nus estalavam ao vento, uma criatura da noite chapinhou no rio, uma raposa uivou como uma alma agonizante, e em algum lugar uma coruja piou. O barco rangia. A pedra de Sihtric sibilava e raspava o aço. Um escudo bateu num banco de remador. Eu não ousava falar mais alto, apesar dos ruídos da noite, porque o navio inimigo estava rio acima e os homens que haviam desembarcado teriam deixado sentinelas a bordo. Essas sentinelas poderiam ter nos visto enquanto deslizávamos rio abaixo junto à margem mércia, mas agora certamente deviam pensar que tínhamos seguido há muito na direção de Lundene.

— Mas por que se casar com uma puta? — perguntei a Sihtric.

— Ela é...

— Ela é velha — rosnei. — Deve ter uns 30 anos. E é meio doida. Ealhswith só precisa ver um homem para abrir as coxas! Se você enfileirasse cada homem que montou naquela puta, teria um exército suficiente para conquistar toda a Britânia. — A meu lado, Ralla deu um risinho. — Você estaria nesse exército, Ralla? — perguntei.

— Mais de vinte vezes, senhor — respondeu o comandante do navio.

— Ela me ama — insistiu Sihtric, carrancudo.

— Ela ama sua prata — disse eu —, e, além disso, por que colocar uma espada nova numa bainha velha?

É estranho o que os homens falam antes da batalha. Qualquer coisa, menos sobre o que os espera. Já estive numa parede de escudos, olhando para um inimigo luminoso de espadas e sombrio de ameaças, e ouvi dois de meus homens discutindo furiosamente sobre que taverna fazia a melhor cerveja. O medo paira no ar como uma nuvem e falamos de nada, para fingir que as nuvens não se encontram ali.

— Procure alguma coisa madura e nova — aconselhei Sihtric. — A filha daquele oleiro está pronta para casar. Deve ter 13 anos.

— Ela é idiota — questionou Sihtric.

— E o que você é, então? Eu lhe dou prata e você derrama no buraco aberto mais próximo! Da última vez em que vi, ela estava usando um bracelete que dei a você. Sihtric fungou e não disse nada. Seu pai era Kjartan, o Cruel, um dinamarquês que o havia gerado em uma de suas escravas saxãs. No entanto, Sihtric era um bom garoto, ainda que na verdade não fosse mais garoto. Era um homem que havia estado numa parede de escudos. Um homem que havia matado. Um homem que mataria de novo esta noite.

Trecho da obra distribuída gratuitamente pelo Site Bernard Cornwell Brasil com a permissão da Editora Record.

Para conhecer um pouco mais da história, acesse: http://bctrechoslivros.vilabol.uol.com.br/saxonicas4.pdf