segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Crônicas Saxônicas


A CANÇÃO DA ESPADA

Quarta parte da série as Crônicas Saxônicas


Escuridão. Inverno. Noite de geada e sem lua. Flutuávamos no rio Temes, e para além da proa alta do barco eu podia ver as estrelas refletidas na água reluzente. O rio estava cheio, alimentado pela neve dos morros incontáveis. Os regatos temporários fluíam das terras altas, de calcário, em Wessex. No verão aqueles riachos estariam secos, mas agora espumavam descendo pelos morros compridos e verdes, enchiam o rio e fluíam para o mar distante. Nosso barco, que não tinha nome, estava perto da margem no lado de Wessex. Ao norte, do outro lado do rio, ficava a Mércia. Nossa proa apontava rio acima. Estávamos escondidos entre os galhos dobrados e sem folhas de três salgueiros, mantidos ali contra a corrente por uma corda de couro amarrada a um dos galhos. Éramos 38 naquele barco sem nome, um navio mercante que costumava atuar nas partes mais altas do Temes. O comandante do navio se chamava Ralla e estava a meu lado com a mão no remo-leme. Eu mal podia vê-lo no escuro, mas sabia que ele estava usando gibão de couro e tinha uma espada à cintura. O restante de nós usava couro e cota de malha, tínhamos elmos e levávamos escudos, machados, espadas ou lanças. Esta noite iríamos matar. Sihtric, meu servo, agachou-se a meu lado e passou uma pedra de amolar na lâmina de sua espada curta.

— Ela diz que me ama — argumentou.

— Claro que diz — respondi.

Ele parou, e quando falou de novo sua voz havia se animado, como se tivesse ganhado coragem com minhas palavras.

— E já devo ter 19 anos, senhor! Talvez até 20, quem sabe?

— Dezoito? — sugeri.

— Eu já poderia estar casado há quatro anos, senhor!

Falávamos quase aos sussurros. A noite era repleta de sons. A água ondulava, os galhos nus estalavam ao vento, uma criatura da noite chapinhou no rio, uma raposa uivou como uma alma agonizante, e em algum lugar uma coruja piou. O barco rangia. A pedra de Sihtric sibilava e raspava o aço. Um escudo bateu num banco de remador. Eu não ousava falar mais alto, apesar dos ruídos da noite, porque o navio inimigo estava rio acima e os homens que haviam desembarcado teriam deixado sentinelas a bordo. Essas sentinelas poderiam ter nos visto enquanto deslizávamos rio abaixo junto à margem mércia, mas agora certamente deviam pensar que tínhamos seguido há muito na direção de Lundene.

— Mas por que se casar com uma puta? — perguntei a Sihtric.

— Ela é...

— Ela é velha — rosnei. — Deve ter uns 30 anos. E é meio doida. Ealhswith só precisa ver um homem para abrir as coxas! Se você enfileirasse cada homem que montou naquela puta, teria um exército suficiente para conquistar toda a Britânia. — A meu lado, Ralla deu um risinho. — Você estaria nesse exército, Ralla? — perguntei.

— Mais de vinte vezes, senhor — respondeu o comandante do navio.

— Ela me ama — insistiu Sihtric, carrancudo.

— Ela ama sua prata — disse eu —, e, além disso, por que colocar uma espada nova numa bainha velha?

É estranho o que os homens falam antes da batalha. Qualquer coisa, menos sobre o que os espera. Já estive numa parede de escudos, olhando para um inimigo luminoso de espadas e sombrio de ameaças, e ouvi dois de meus homens discutindo furiosamente sobre que taverna fazia a melhor cerveja. O medo paira no ar como uma nuvem e falamos de nada, para fingir que as nuvens não se encontram ali.

— Procure alguma coisa madura e nova — aconselhei Sihtric. — A filha daquele oleiro está pronta para casar. Deve ter 13 anos.

— Ela é idiota — questionou Sihtric.

— E o que você é, então? Eu lhe dou prata e você derrama no buraco aberto mais próximo! Da última vez em que vi, ela estava usando um bracelete que dei a você. Sihtric fungou e não disse nada. Seu pai era Kjartan, o Cruel, um dinamarquês que o havia gerado em uma de suas escravas saxãs. No entanto, Sihtric era um bom garoto, ainda que na verdade não fosse mais garoto. Era um homem que havia estado numa parede de escudos. Um homem que havia matado. Um homem que mataria de novo esta noite.

Trecho da obra distribuída gratuitamente pelo Site Bernard Cornwell Brasil com a permissão da Editora Record.

Para conhecer um pouco mais da história, acesse: http://bctrechoslivros.vilabol.uol.com.br/saxonicas4.pdf

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